Sou um numero (a) mais
Sou
um número, todos nós somos números. Somos um número para a
Segurança Social, Registo Civil, Finanças, os números
perseguem-nos toda a nossa vida. Começa quando nascemos e acaba
quando morremos.
Na
escola dão-nos um número e posteriormente no trabalho também nos
dão um. Nas estatísticas, sabemos que fazemos parte daqueles
números. Pertencemos à população estudante ou activa, casados ou
solteiros. Podemos ser estudantes e solteiros e fazer parte
simultaneamente destes dois números. Mas não é possível pertencer
aos casados e aos solteiros, por uma questão de coerência. Ao longo
da nossa vida escolhemos pertencer a determinados números, por
exemplo, ao escolhermos uma profissão, iremos cair no número de
pessoas que exercem essa mesma profissão, pertencemos depois a um
dos sectores de actividade.
Existe
um número ao qual não escolhi pertencer, eu faço parte do número
de pessoas que estão infectadas com o HIV.
É
terrível, ver no reflectido papel, a destruição dos nossos sonhos.
POSITIVO. Parece que não se vê mais nada. Porque diabos uma palavra
tão bonita se torna um pesadelo?
A
pergunta sem resposta aparece na nossa mente, PORQUÊ. Que fiz eu
para merecer isto?
Angústia,
raiva, vontade de me suicidar, tudo isso eu passei.
Naquele
dia maldito, novembro, foi o dia mais infeliz da minha vida. Cheguei
a casa completamente desesperado, corri para a cozinha, agarrei numa
faca, coloquei-a nos pulsos e estava prestes a cortá-los quando...
Lembrei-me
da minha mãe, do desgosto que lhe ia causar e vim sentar-me no sofá
da sala e chorei lágrimas salgadas desesperadas e cheias de raiva.
Quando
estava mais calmo, liguei ao meu namorado, sim namorado, eu sou
homossexual com muito gosto e prazer, ao menos não sou como muitos
que casam e depois ao fim de uns anos deixam as mulheres, que vão
parar ao psiquiatra, a perguntar o que fizeram de errado e o que de
mal se passa com elas. Eu dava em louco se fosse trocado por outra
mulher, por isso eu percebo-as. Dei-lhe a noticia e a restea de
esperança apagou-se ,Metade de mim era ele a a outra metade o amor
por ele ...Ficamos condenados os dois.
Não
disse a ninguém. Para quê? Se sei que a ignorância natural das
pessoas as ia afastar de mim. Isso eu não suportaria, a solidão, o
mais horrível de todos os males de quem sofre desta doença. Como
diz Goethe: “ não há nada mais assustador que a ignorância em
acção.”.
A
minha mãe já sofreu por eu ser homossexual, pela morte do meu pai
dois anos antes de eu descobrir que estava infectado. E quanto aos
amigos, eles iam afastar-se naturalmente, hoje diziam que iam sair
com os respectivos namorados, amanhã tinham um jantar, até que o
afastamento se tornava natural.
Por
me abraçarem não ficam infectados ou por me darem um beijo; não
podemos é passar a ser irmãos de sangue.
A
relaçao chegou ao fim depois de um sem numero de traições porque
cada pessoa reage diferente , e no caso procurou sensações novas ,
matando aos poucos o amor existente .Ao contrario de mim não tem
medo e arrisca , o lema dele depois resolve-se ...depois de condenar
alguém ...isso não consigo , e por não conseguir e por pensar
demais se calhar ajudei a matar uma relação... a ideia de puder ser
o responsável pelo mal estar de alguém não me deixa sequer ter
algum relacionamento .
A
medicação torna-se um hábito, começa a entrar na nossa rotina
assim com as análises.
A
minha vida é tão normal e banal como a das outras pessoas. Até
acho que é melhor.
Bebo
as palavras dos amigos, gravo os sorrisos e os elogios, não sei se
amanhã poderei estar com eles, aproveito cada momento. Se isto teve
algo de bom foi que me fez aproveitar a vida, não faço loucuras. No
entanto, não adio sonhos , o único que me adiaram foi o de viajar
mas aceitei que nunca irei voar para o estrangeiro .
Amanhã
é sábado e decidi subir ao castelo, em quase quarenta anos de vida
nunca lá subi.
O
castelo esteve sempre lá e eu nunca quis subir, adiava e tornava
adiar, amanhã ele está lá, eu é que posso já não estar aqui.
Não
me sinto perseguido pelo espectro da morte. Como diz a minha mãe,
todos nós trazemos um livro só que não sabemos lê-lo, nem quantas
páginas tem.
Por
isso, temos de viver cada momento e aproveitar a vida.
Amanhã
lá subirei ao castelo e verei a cidade lá do alto. Eu olho a vida
do alto e tento ver que caminho tenho a ainda de percorrer.
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